Efeitos do abandono emocional: Prevenindo psicopatologias por meio do amor.
Autora :
Venho pensando em escrever sobre o sofrimento dos borderlines
há algum tempo, mas relutava principalmente pelo meu receio de rotular e
restringir as pessoas a diagnósticos, o que acaba sendo um erro
recorrente de muitos profissionais da área da saúde. No entanto,
acredito que respeitando a singularidade do ser humano podemos constatar
que muitos sofrimentos apresentam aspectos em comum, o que nos ajuda a
compreendê-los melhor e como conseqüência o tratamento pode ser melhor
planejado. Dessa forma, resolvi tentar apresentar para vocês esse
transtorno e relacioná-lo com a carência de afeto nas relações atuais.
O
borderline apresenta como tema central da sua vida o medo de ser
abandonado, pois as rejeições que experimenta o levam a uma sensação de
solidão, o que é desagradável para qualquer pessoa, mas para um paciente
boderline sentir-se sozinho é um sofrimento infinito, é um vazio sem
fim. Esse vazio é decorrente da ausência de relações de amor ao longo da infância.
Quando me refiro a ausência de amor, estou me referindo a pais, na
maioria das vezes imaturos emocionalmente, tomados pelas suas próprias
necessidades de atenção e que não conseguem realizar o movimento
primordial no processo de educação de um filho: a devoção.
Esse é um termo do psicanalista D. W. Winnicott que ilustra com
precisão as necessidades iniciais de uma criança pequena e implica em
deixar a si mesmo em segundo plano, suas próprias necessidades e desejos
em suspenso por um período de tempo definido pelo bebê. A
partir dessa postura, os pais sentem-se mobilizados na mesma medida em
que mobilizam a criança para a relação que esta sendo construída. A
criança é enlaçada nessa relação e registra a experiência de estar
acompanhado. Nesse sentido, um dos nossos primeiros registros de
experiências de amor é poder estar em companhia.
Aqui
voltamos para o sofrimento do borderline. Essas pessoas não têm esse
registro, não puderam contar com adultos disponíveis e com a atenção
voltada para eles. Não sentiram
seus pais engajados tampouco mobilizados pela a sua existência, não
viram nos olhos dos pais reações de amor. A falta de engajamento no
principio aparece como pouca sensibilidade em relação às necessidades do
bebe, mas conforme a criança cresce esse comportamento permanece e
surgem novas negligencias que podem ser interpretadas como uma
dificuldade de colocar limites para a criança. Na verdade, a falta de
firmeza nesses casos é decorrente de um engajamento frágil, o qual não
oferece energia suficiente para que se possa conter as atitudes
interpretadas como inadequadas. Os pais não colocam limites simplesmente
porque não são tocados afetivamente por aquela criança a ponto de se
engajarem e ajudá-la a se conter e se reorganizar. E a criança ao olhar
para os olhos de seus pais percebe esse embotamento. As crianças vão
construindo uma imagem de si refletidas nos olhos dos pais. Quando não
enxergam reação nenhuma, elas provocam, até conseguir obter algo, pois
mesmo que seja uma reação negativa, elas ao menos sairão do vazio. O
vazio é insuportável, mas algumas crianças, ao olharem para seus pais,
não enxergam reação nenhuma.... e nesses casos, elas ficam sozinhas,
experimentam uma solidão absoluta, sem contornos, infinita. Por esse
motivo, os boderlines lutam para evitar o abandono a todo custo. Na
verdade, eles evitam confirmar a sensação que os acompanha ao longo de
toda a sua vida: a de que estão absolutamente sozinhos e desamparados.
Os
borderlines também se caracterizam pela intensidade dos seus afetos
(sejam positivos ou negativos) e pela impulsividade das suas ações. Por
não terem experimentado o limite, o contorno na relação com os pais, não
entendem que os sentimentos podem alcançar um fim. A tristeza é uma
tristeza insuportável e intensa, porque ela é vivida de maneira absoluta
como se fosse durar para sempre. A questão da falta de limites recai
sobre a impossibilidade de se vivenciar a experiência de fim. Os pais
que não se engajam em oferecer continência, não oferecem a experiência
de reorganização e retomada de um estado de bem estar a partir de um
desequilíbrio. Nesse contexto, a impulsividade pode ser compreendida
como decorrência da intensidade. A pessoa sente que precisa agir, pois
essa muitas vezes pode ser a única forma de sentir algum alivio. Não é
preciso dizer que muitas decisões inadequadas podem ser tomadas nesse
processo o que acaba acarretando em mais sofrimento....
Infelizmente,
esse é um transtorno cada vez mais freqüente, o que acredita-se é
decorrência dos valores da sociedade contemporânea. Vivemos em um tempo
no qual os valores humanos estão comprometidos. As pessoas cada vez
menos são autorizadas a sentirem e se expressarem, pois estão muito
ocupadas em dar conta de seus afazeres, em atingirem suas metas. Ninguém
pode vivenciar sentimentos negativos, pois estes atrapalham a
produtividade. Estamos cada vez mais nos transformando em personagens,
vivendo de forma automática, quase inanimada. Dessa forma, vai se
perdendo a essência humana, a qual entre outras características implica
na abertura para o amor, na capacidade de estabelecer e usufruir de
relações afetivas.
Por
já ter acompanhado na clinica o sofrimento de pessoas com transtorno de
personalidade borderline e ter compartilhado a intensidade do
sofrimento que experimentam gostaria de deixar registrado um apelo. Acho
que os adultos responsáveis pela educação de uma criança não se dão
conta da importância da sua tarefa. Ao optarem por ter filhos, as
pessoas precisam ter em mente que vão precisar enfrentar um desafio de
devoção por meio do qual se construirá uma relação de amor. Para que a
relação de amor possa acontecer, os pais precisam ser capazes e estar
dispostos a renunciar, a abrir mão de si mesmo para poder receber o
outro que esta chegando. Para mim, essa é a base do amor entre pais e
filhos. Amor é abertura, é conceder um espaço para a criança ocupar, um
lugar a partir do qual ele poderá se desenvolver.
Fonte : http://carlapoppa.blogspot.com.br
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