domingo, maio 31, 2015

Os sinais de uma criança que sofre de abandono afetivo


Com 5 anos uma criança já sabe se é amada ou não. E você saberia identificar os sinais de uma criança que sofre de abandono afetivo?


Ele pode ser vizinho, filho de amigos, amigo do filho, mas também pode ser seu filho, neto, sobrinho, e acima de tudo, ele é uma criança e precisa de alguém ao lado mostrando que ama. Há casos que familiares nem sabem da situação de abandono afetivo. Enquanto outros sabem e não fazem nada. Há ainda os casais separados, em que o filho fica apenas com a mãe ou o pai, enfim, existem inúmeras possibilidades. Mas o abandono afetivo só teve maior visibilidade depois da morte do menino Bernardo Uglione Boldrini, 11 anos, que levantou questões sobre como identificar e agir frente a situações de abandono afetivo.

bernardo

Assim como Bernardo, muitas outras crianças sofrem de abandono afetivo. Sem chegar a um fim trágico como o do menino, esses pequenos têm de lidar com a falta de carinho e proteção diariamente. Os sinais nem sempre são tão evidentes, e para falar sobre esse assunto, o jornal O Caiobá conversou com o psicólogo clínico, mestre e doutorando em Educação e professor na Faculdade Anglicana de Tapejara e na Universidade de Passo Fundo, Jarbas Dametto.
jarbas
Psicologo Jarbas Dametto
JC: Com quantos anos a criança já pode perceber se está sendo tratada bem ou não?
Jarbas - Desde muito cedo uma criança pode sentir-se desconfortável com o modo como é tratada, um bebê já sente a indiferença, a raiva, a falta de atenção ou afeto de seus cuidadores. No entanto, ter uma percepção consciente disso a ponto de poder comentar seu mal-estar ou imaginar-se em condição mais favorável, é algo que provavelmente só ocorra após alguns anos, em fins da idade pré-escolar (5 ou 6 anos de idade) na qual a criança já se apresenta intelectualmente e socialmente mais amadurecida.

JC: Quais são os principais sinais comportamentais que uma criança apresenta quando está sofrendo alguma privação ou violência emocional?
Jarbas - Instabilidade emocional (choro fácil, irritação, acessos de raiva sem motivos aparentes); insônia; problemas na alimentação como perda ou aumento brusco de apetite, náuseas ou vômito; febre sem causa física identificável; autoestima baixa, por vezes acompanhada de auto repreensão (sentir-se inadequada, achar que só incomoda, que não é uma pessoa digna de cuidados ou atenção, que é culpada de alguma coisa); perdas no rendimento escolar e dificuldades de socialização, dentre outros sintomas que podem ser específicos de cada caso.

JC: Existem sintomas físicos que podem ser apresentados por uma criança que se sente afetivamente abandonada?
Jarbas - Não raras vezes, o abandono emocional vem acompanhado de uma displicência no cuidado físico com a criança, aí teremos uma criança “malcuidada”: vestida de modo impróprio (com pouca roupa no inverno, por exemplo), alimentada inadequadamente (obesa ou muito magra), com pequenas doenças ou problemas não tratados, com pouco cuidado em relação à higiene e saúde bucal, etc. Mas também há situações em que a privação é somente emocional, aí fisicamente podem ocorrer doenças de caráter psicossomático, típicas de estados prolongados de estresse e sofrimento afetivo, como sistema imunológico alterado (facilidade em desenvolver doenças infectocontagiosas), dores de cabeça frequentes, doenças gastrointestinais, problemas de pele, problemas respiratórios recorrentes, dentre outros. Em geral será aquela criança que está sempre “doentinha”, sempre sofrendo de algum problema que denuncia seu estado de mal-estar.
     
JC:  Geralmente as crianças procuram ajuda? Ou é raro uma criança procurar ajuda por conta própria?
Jarbas - “Pedir ajuda”, de modo sintomático, mostrando o seu estado de sofrimento, é algo que sempre ocorre, no entanto, buscar ajuda de modo formal, com um profissional da área, é algo que nem sempre acontece. Muitas pessoas irão se manifestar sobre isso somente quando adultas e se sentirem independentes daqueles que lhe foram maus cuidadores. Cabe pontuar que um dos ambientes mais propícios para a identificação e encaminhamento adequado desses casos é a escola, embora não seja função da escola tratar tais situações, sabe-se que as crianças percebem este local como digno de confiança, buscando nele o amparo que lhes falta em casa, sendo comum que os pequenos revelem sua condição a professores ou outros profissionais da educação, cabendo a esses os demais encaminhamentos.

JC: Existem perigos para uma criança que está carente afetivamente? Quais são eles?
Jarbas - Uma criança ou adolescente afetivamente carente pode se tornar mais suscetível à aproximação de estranhos ou pessoas mal-intencionadas, podendo se envolver afetivamente com esses, bem como podem apelar para a formação de grupos que visem saciar esta necessidade, como as gangs formadas por adolescentes. A carência afetiva também aumenta a probabilidade de uso de substâncias psicoativas (drogas, álcool, etc.) a fim de aplacar o sentimento de desamparo e angústia.

JC: Que dicas podem ser dadas para pais ou parentes monitorarem as crianças para saber se esta tudo bem?
Jarbas - Primeiramente, estabelecer uma relação de confiança e diálogo com a criança, de modo que ela se permita falar das coisas que a afligem. Além disso, estar atento às rotinas, aos hábitos, à condição de saúde da criança, e investigar caso apareçam sinais físicos ou indícios emocionais de maus-tratos, não se contentando com explicações precárias que podem ser dadas pela criança, que pode não querer denunciar a situação, ou por um cuidador que pode estar omitindo a verdade.

JC: Quais são as atitudes que devem ser tomadas ao perceber que uma criança não esta bem?
Jarbas - Nessas condições, normalmente a pessoa que percebe a situação não é o responsável legal da criança, nem possui a guarda desta, sendo que por esses motivos a situação se torna um tanto delicada. Em um primeiro momento, caberia tentar dialogar com o cuidador supostamente negligente, para verificar a situação que está ocorrendo, inclusive porque este também pode estar precisando de ajuda (a negligencia dos pais pode ser reflexo não de uma má vontade ou crueldade, mas de suas próprias dificuldades emocionais). Já em situações em que não há esta abertura, deve-se buscar os órgãos competentes e relatar a situação para que ocorra uma mediação do Estado frente ao problema (o Conselho Tutelar, a delegacia ou a Justiça).
      
JC: Uma criança que sofreu carência afetiva na infância pode ter algum problema emocional depois de adulta?
Jarbas - Sendo na infância que se estabelece nossa personalidade, é inegável que a falta de afeto neste período acarretará reflexos no futuro. No entanto, a natureza dos problemas na idade adulta dependerá bastante da história de vida de cada um. Tais problemas podem ser, desde um sentimento persistente de mal-estar e a busca por reparação desta falta, até problemas mais graves, como desajustes de conduta social e afetiva ou formações psicopatológicas como os diversos transtornos mentais que podem afetar o adulto. 

JC: Uma pessoa de fora da família se envolver em uma situação de abandono afetivo pode ser considerada uma atitude positiva? Mas de que forma a pessoa poderia ajudar essa criança?
Jarbas - Como cidadãos, todos partilhamos de certa responsabilidade para com as crianças em geral. Como acima referido, cabe a todos tentar dar a criança as melhores condições possíveis para seu desenvolvimento, seja orientando os cuidadores e os auxiliando em alguma dificuldade, seja levando às autoridades casos em que as condutas ganham semblantes perigosos. No entanto, cabe considerar que não podemos reparar de todo uma falta de natureza afetiva, por exemplo, uma professora afetuosa não substitui uma mãe afetuosa, são papeis distintos, assim como o carinho de uma tia não dará conta de uma demanda por pai e mãe. Isso não significa que devemos nos abster de demonstrar afeto às crianças, pelo contrário, mas sempre ocupando o papel que nos cabe: de amigo, de parente, de professor, de vizinho, etc., sem construirmos, em nós e na própria criança, a ilusão de que tais relações suprem as faltas geradas pela precariedade da relação com os que deveriam ser seus cuidadores.  

Fonte: (http://www.100e7.com.br)

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