quinta-feira, maio 30, 2013

Efeitos do abandono emocional: Prevenindo psicopatologias por meio do amor

Efeitos do abandono emocional: Prevenindo psicopatologias por meio do amor.


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Venho pensando em escrever sobre o sofrimento dos borderlines há algum tempo, mas relutava principalmente pelo meu receio de rotular e restringir as pessoas a diagnósticos, o que acaba sendo um erro recorrente de muitos profissionais da área da saúde. No entanto, acredito que respeitando a singularidade do ser humano podemos constatar que muitos sofrimentos apresentam aspectos em comum, o que nos ajuda a compreendê-los melhor e como conseqüência o tratamento pode ser melhor planejado. Dessa forma, resolvi tentar apresentar para vocês esse transtorno e relacioná-lo com a carência de afeto nas relações atuais.
O borderline apresenta como tema central da sua vida o medo de ser abandonado, pois as rejeições que experimenta o levam a uma sensação de solidão, o que é desagradável para qualquer pessoa, mas para um paciente boderline sentir-se sozinho é um sofrimento infinito, é um vazio sem fim. Esse vazio é decorrente da ausência de relações de amor ao longo da infância. Quando me refiro a ausência de amor, estou me referindo a pais, na maioria das vezes imaturos emocionalmente, tomados pelas suas próprias necessidades de atenção e que não conseguem realizar o movimento primordial no processo de educação de um filho: a devoção. Esse é um termo do psicanalista D. W. Winnicott que ilustra com precisão as necessidades iniciais de uma criança pequena e implica em deixar a si mesmo em segundo plano, suas próprias necessidades e desejos em suspenso por um período de tempo definido pelo bebê.  A partir dessa postura, os pais sentem-se mobilizados na mesma medida em que mobilizam a criança para a relação que esta sendo construída. A criança é enlaçada nessa relação e registra a experiência de estar acompanhado. Nesse sentido, um dos nossos primeiros registros de experiências de amor é poder estar em companhia.
Aqui voltamos para o sofrimento do borderline. Essas pessoas não têm esse registro, não puderam contar com adultos disponíveis e com a atenção voltada para eles.  Não sentiram seus pais engajados tampouco mobilizados pela a sua existência, não viram nos olhos dos pais reações de amor. A falta de engajamento no principio aparece como pouca sensibilidade em relação às necessidades do bebe, mas conforme a criança cresce esse comportamento permanece e surgem novas negligencias que podem ser interpretadas como uma dificuldade de colocar limites para a criança. Na verdade, a falta de firmeza nesses casos é decorrente de um engajamento frágil, o qual não oferece energia suficiente para que se possa conter as atitudes interpretadas como inadequadas. Os pais não colocam limites simplesmente porque não são tocados afetivamente por aquela criança a ponto de se engajarem e ajudá-la a se conter e se reorganizar. E a criança ao olhar para os olhos de seus pais percebe esse embotamento. As crianças vão construindo uma imagem de si refletidas nos olhos dos pais. Quando não enxergam reação nenhuma, elas provocam, até conseguir obter algo, pois mesmo que seja uma reação negativa, elas ao menos sairão do vazio. O vazio é insuportável, mas algumas crianças, ao olharem para seus pais, não enxergam reação nenhuma.... e nesses casos, elas ficam sozinhas, experimentam uma solidão absoluta, sem contornos, infinita. Por esse motivo, os boderlines lutam para evitar o abandono a todo custo. Na verdade, eles evitam confirmar a sensação que os acompanha ao longo de toda a sua vida: a de que estão absolutamente sozinhos e desamparados.
Os borderlines também se caracterizam pela intensidade dos seus afetos (sejam positivos ou negativos) e pela impulsividade das suas ações. Por não terem experimentado o limite, o contorno na relação com os pais, não entendem que os sentimentos podem alcançar um fim. A tristeza é uma tristeza insuportável e intensa, porque ela é vivida de maneira absoluta como se fosse durar para sempre. A questão da falta de limites recai sobre a impossibilidade de se vivenciar a experiência de fim. Os pais que não se engajam em oferecer continência, não oferecem a experiência de reorganização e retomada de um estado de bem estar a partir de um desequilíbrio. Nesse contexto, a impulsividade pode ser compreendida como decorrência da intensidade. A pessoa sente que precisa agir, pois essa muitas vezes pode ser a única forma de sentir algum alivio. Não é preciso dizer que muitas decisões inadequadas podem ser tomadas nesse processo o que acaba acarretando em mais sofrimento....
Infelizmente, esse é um transtorno cada vez mais freqüente, o que acredita-se é decorrência dos valores da sociedade contemporânea. Vivemos em um tempo no qual os valores humanos estão comprometidos. As pessoas cada vez menos são autorizadas a sentirem e se expressarem, pois estão muito ocupadas em dar conta de seus afazeres, em atingirem suas metas. Ninguém pode vivenciar sentimentos negativos, pois estes atrapalham a produtividade. Estamos cada vez mais nos transformando em personagens, vivendo de forma automática, quase inanimada. Dessa forma, vai se perdendo a essência humana, a qual entre outras características implica na abertura para o amor, na capacidade de estabelecer e usufruir de relações afetivas.
Por já ter acompanhado na clinica o sofrimento de pessoas com transtorno de personalidade borderline e ter compartilhado a intensidade do sofrimento que experimentam gostaria de deixar registrado um apelo. Acho que os adultos responsáveis pela educação de uma criança não se dão conta da importância da sua tarefa. Ao optarem por ter filhos, as pessoas precisam ter em mente que vão precisar enfrentar um desafio de devoção por meio do qual se construirá uma relação de amor. Para que a relação de amor possa acontecer, os pais precisam ser capazes e estar dispostos a renunciar, a abrir mão de si mesmo para poder receber o outro que esta chegando. Para mim, essa é a base do amor entre pais e filhos. Amor é abertura, é conceder um espaço para a criança ocupar, um lugar a partir do qual ele poderá se desenvolver. 
 
Fonte :  http://carlapoppa.blogspot.com.br

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